Apropriação Cultural III: Indústria da Moda
Em um caso recente, uma menina branca com câncer foi abordada e hostilizada por um grupo de mulheres negras pelo fato de estar usando turbante. O caso gerou grande repercussão quando a menina se pronunciou em uma rede social afirmando que "vai ter branca de turbante, sim" e levantando a questão a respeito do tema apropriação cultural.
A apropriação cultural acontece quando um estrato social historicamente dominante marginaliza uma etnia, religião ou cultura, tornando seus símbolos e práticas detestáveis para a sociedade. Levando o grupo marginalizado a abandonar tais práticas, como uma forma de se adequar a sociedade, na tentativa de sofrer menos preconceito.
Após isso, o grupo dominante, responsável pela marginalização, passa a ressignificar essas práticas e símbolos. Antes condenados, agora torna-os atrativos para a população visando o lucro. Dessa forma, toda a essência simbólica destes elementos é perdida e sendo vistos como meros objetos de desejo, cada vez mais caros e mais distantes para aqueles que de início os utilizavam.
A apropriação cultural refere-se muito mais às apropriações feitas pelas indústrias e pelo capitalismo em si do que a ações individuais, afirma a doutora em Antropologia pela USP, Marina Pereira de Almeida Mello. Segundo ela, "essa proliferação do uso do turbante tem sido estimulada pela indústria, pelas confecções, pela indústria da moda, que tem investido em uma ideia de “étnico” totalmente descontextualizada. A apropriação cultural não surgiu do nada, porque uma pessoa branca saiu na rua e colocou um turbante."
Esta é a questão: a raiz deste problema não é o indivíduo, não é porque ele usa esses elementos de outras culturas; o problema vem antes disso. Quem deu origem a isso são aqueles que utilizam estes elementos sem nenhum contexto cultural visando benefício próprio e marginalizando a cultura que antes o possuía. A indústria da moda foi quem desconstruiu o significado destes símbolos e depois ressignificou-os para serem uteis na sua obtenção de lucro. Quando uma pessoa que não tem qualquer ligação cultural ou religiosa com o turbante decide sair para a rua usando um, não é apropriação cultural; não se considera apropriação quando o indivíduo utiliza um elemento que foi apropriado por uma indústria. É possível apenas considera-la quando a indústria está por trás isso. Quando uma marca de roupas, por exemplo, lança uma coleção com elementos étnicos utilizando modelos brancas, enquanto ao mesmo tempo uma pessoa negra é hostilizada na rua por usar um turbante.
Para a filósofa Djamila Ribeiro, o fato de cabelos trançados estarem na moda ou turbantes disponíveis em lojas de departamento e estampados em capas de revistas não se traduz em direitos e respeito aos negros e negras no Brasil. “Eu, quando uso turbante na rua, as pessoas me apontam e me discriminam. Ao mesmo tempo, uma pessoa branca com o mesmo acessório é vista como moderna”, conta Ribeiro.
Existe um aval sistêmico para o uso desses objetos, reforçado pela mídia e pela publicidade. Por outro lado, pondera, o mesmo não ocorre com uma mulher negra que toma as mesmas decisões. "É essa diferença de tratamento e de percepção na sociedade que causa o choque".
Apesar do histórico do turbante, é importante ressaltar que não importa quem você é, sua cor, etnia, sexualidade, religião, descendência, classe social, naturalidade, características físicas e intelectuais, você pode ser quem quiser, se expressar como quiser e fazer aquilo que esteja dentro da sua vontade. Nossa única preocupação e obrigação é não interferir na liberdade dos outros.
O turbante
A origem do turbante não é exata, sabe-se que pode ter surgido no Oriente ou na África, mas é possível encontrar referências do seu uso em diferentes épocas e diversas etnias. Persas, anatólios, lídios, árabes, argelinos, judeus, tunisianos aparecem com turbantes, utilizados de várias maneiras, inclusive predominantemente exibido por homens. Assim como as épocas e etnias diferentes, os significados eram muitos: podiam indicar a origem, tribo ou casta da pessoa, identificar a religião ou a posição social. Nas relações de comércio entre Oriente e Ocidente o turbante chegou à Europa e a referência do uso do turbante como item de moda de mulheres francesas no século XVIII. Já no Brasil, chegou por meio dos africanos que eram trazidos como escravos.
Já na década de 10 e 20, Paul Poiret trouxe os turbantes de volta ao cenário fashion, até Coco Chanel aderiu. Muitas atrizes hollywoodianas apareceram retratadas com glamourosos turbantes nos anos 20 a 40. No Brasil, Carmem Miranda aderiu ao esse figurino. Na década de 60, o turbante ressurgiu como símbolo da cultura negra, nos movimentos que lutavam pelos direitos civis.
Atualmente é possível ver mulheres que adotam o adereço por achar prático ou bonito, mas também grupos de mulheres negras que utilizam como elemento de afirmação cultural. Há ainda o uso ligado à religião.