Entenda a sua luta
Vivemos num mundo tóxico. Os seres humanos prezam apenas por suas individualidades e tratam a caótica situação atual com desdém, mesmo que esta diga muito a respeito deles. É inimaginável a quantidade de pessoas que negligenciam assuntos de tamanha importância como a coletividade e, igualmente inimaginável, a quantidade de pessoas que, mesmo crentes de que estão lutando, entristecem-se por não obterem os resultados desejados e questionam-se sobre o verdadeiro sentido de lutar.
Estamos imersos numa rede de conceitos no mínimo duvidosos que permeiam o sistema de pensamento humano e fincam-se cada vez mais a ele. Esse sistema, gerador de tanto sofrimento, tem como base uma ideia hierarquizada de mundo. É como se fôssemos forçados a acreditar que podemos ser melhores ou piores que outros. Como se pudéssemos julgar uns aos outros e, mais do que isso, restringir nossas liberdades. Um sistema tão limitador quanto esse dificilmente se mostraria consistente. Assim, chegamos ao marco onde essa perspectiva de mundo começa a ser questionada, preconceitos começam a ser desconstruídos e a visão coletiva começa a ser finalmente ampliada.
Neste momento, com a militância e algumas problematizações em alta, começamos a ganhar um pouco mais de espaço e de visibilidade. É certo que queremos caminhar para algo melhor, mas afinal, estamos de fato lutando por algum tipo de paz? Estamos de fato nos opondo ao sistema que nos coloca secularmente uns contra os outros? Ou estamos inconscientemente o apoiando? O rumo que grande parte da militância toma ainda não está verdadeiramente alinhado à meta da luta. Vemos uma caça incessante por comportamentos preconceituosos e um sentimento exorbitante de revolta que se reflete nos ataques desmedidos tanto aos próprios companheiros de luta quanto aos demais. A própria expressão “companheiros de luta” traz uma reflexão acerca dessa necessidade de nos colocarmos enquanto companheiros e de colocarmos indivíduos com pensamentos machistas, lgbtfóbicos e racistas enquanto nossos piores “inimigos de luta”. Contudo, cabe lembrá-los de que não estamos lutando contra um grupo de pessoas, mas contra o que elas pensam, e é reformulando esses pensamentos que poderemos, quem sabe, nos unir e ganhar força (e não é isso que queremos?).
O único inimigo a ser combatido é o muro que insiste em nos separar, mas esse vilão tem sido distorcido e na maior parte dos casos o confundimos com nós mesmos. É imprescindível o entendimento de que somos seres em constante transformação e de que só teremos ganhos significativos se cada sistema de pensamento singular for alterado. Essas alterações só acontecem quando um indivíduo entende de fato o que falou ou o que fez, compreendendo verdadeiramente o motivo pelo qual aquele tipo de comportamento é tido como um comportamento nocivo. Ou seja, as pessoas só poderão aprender se estivermos disponíveis e aptos para apresentá-las nosso pensamento. Enquanto a disponibilidade não existir, estaremos apenas fomentando o mesmo ódio que nos aprisionou nessa rede, e infelizmente essa disponibilidade ainda não se solidificou em nosso movimento. Notem que não se trata de “passar pano” para atitudes infelizes, mas sim de pensar em meios realmente efetivos para diminuí-las. Certamente não conseguiremos fazer isso enquanto estivermos focados em nossas revoltas e optarmos por ataques em massa que só nos gerarão mais desgaste. Além disso, nos apropriamos corriqueiramente de termos que nem sequer temos o trabalho de pesquisar. Falamos de “empatia”, por exemplo, como se já soubéssemos plenamente o que essa palavra significa, mas cabe alertá-los de que ainda temos uma imensa dificuldade nesse quesito. Erramos ao pensar que a empatia é válida somente em situações favoráveis ou com pessoas que gostamos. Se trata de algo que está muito além da nossa zona de conforto e que requer o mínimo de esforço e de imparcialidade.
Se a sua meta é minimizar os impactos do preconceito ou eliminá-lo, investigue com seriedade se o que você faz é efetivo. Reveja seus métodos, sua visão de mundo. Não aja no automático. Pense. Entenda a sua luta.